Arquétipos e crenças: como esses elementos podem influenciar nos projetos de arquitetura

Março, 2023 — Em Singapura, o feng shui está em todas as partes, seja em residências, seja em edifícios comerciais. A milenar prática chinesa tem como objetivo promover a harmonia entre os indivíduos em um espaço, interferindo, assim, em praticamente todos os ambientes dessas edificações. Entretanto, independentemente dos costumes e das crenças das pessoas de diferentes países do mundo, o perfil, a cultura e as tradições de quem vai usufruir do local a ser elaborado devem ser levados em conta no projeto de um imóvel, seja ele comercial ou residencial? Ao responder a essa pergunta, o arquiteto e urbanista Lorí Crízel, especialista em neuroarquitetura, diz que sim ao destacar que é fundamental respeitar as crenças de todos, mas pondera que não existem comprovações científicas de que práticas baseadas em convicções dessa natureza, como a do feng shui, sejam eficazes para respaldar uma proposta arquitetônica.

Lorí Crízel

Para executar tipologias projetuais que visam gerar experiências, os profissionais costumam se utilizar de mecanismos como, por exemplo, a compreensão dos arquétipos, um conceito da psicologia analítica desenvolvido por Carl Gustav Jung para representar padrões e modelos comportamentais e relacionais. “Ou seja, como eu me relaciono com o mundo externo e, a partir desse relacionamento, como que eu respondo a esse mundo”, explica Crízel, que é presidente da ANFA (Academy of Neuroscience for Architecture) no Brasil e autor do primeiro livro do país sobre neurociência aplicada à arquitetura, design e iluminação.

Em sua obra, Jung organizou 12 arquétipos: inocente, cara comum, explorador, bobo da corte, sábio, prestativo, herói, criador, fora da lei, governador, mago e amante. “Esses modelos são muito utilizados em projetos comerciais e na publicidade, possibilitando a criação de conexões entre as empresas e o consumidor”, conta o profissional.

Isso é possível porque os arquétipos traduzem o perfil comportamental do cliente, servindo como guia para os projetos arquitetônicos. “A partir do momento que eu entendo os modelos relacionais que uma pessoa ou um grupo de pessoas tem, eu consigo entender quais são os níveis experienciais que eu vou criar para elas. Por exemplo, se a pessoa é mais tranquila e lúdica, tem um perfil mais familiar e possui uma vida mais caseira, eu vou entregar uma casa que é muito mais aconchegante, que abraça muito mais as pessoas e irá conectá-las muito mais com a família, para promover bem-estar em um grupo de parentes ou de amigos”, explica o arquiteto.

Já no caso de uma pessoa que é muito dinâmica e despojada, entregue a uma vida exterior e não interior em relação à família, as características são outras. “Essa pessoa vai querer uma casa que traduza o seu dinamismo”, complementa Crízel. Por isso, diz, é necessário traçar um perfil detalhado dos usuários e, a partir desses modelos, colocar em prática uma personalização dos ambientes, principalmente os utilizados individualmente, como dormitórios ou espaços de estudo e de trabalho.

Fora os arquétipos, que são amplamente utilizados para o desenvolvimento do projeto, Lorí Crízel explica que questões culturais e crenças, como em Singapura, influenciam os projetos, ainda que sejam uma pseudociência. “Se uma pessoa é de uma família que acredita na influência do feng shui, por exemplo, e solicita isso no projeto, é nosso papel considerarmos esse aspecto, porque, para ela, aquilo é importante, independentemente do que eu creio ou da questão científica. Então, um dos aspectos da neuroarquitetura é desenvolver elementos empáticos no projeto, e isso inclui crenças e a cultura de cada um”, pondera.

O mesmo, complementa, vale para os signos do zodíaco. “Se o cliente diz que é de um determinado signo e que aquilo é muito importante para ele no ambiente, isso é atendido e preconizado no projeto, desde que esse elemento tenha valia emocional para aquela pessoa. Ou seja, elas depositam credibilidade, crença e confiança naquilo, e, automaticamente, para que eu gere engajamento emocional e segurança psicológica, vou entregar isso no projeto”, finaliza.

Já para projetos comerciais, o especialista explica que adota como base o mecanismo de definição de público-alvo que uma empresa ou uma marca pretende alcançar. Esse público-alvo começa a ser traçado inicialmente pelos arquétipos, que depois são transformados em personas, que é a qualificação do arquétipo e suas características, como as faixas etária, socioeconômica e sociocultural, o regionalismo etc. “Em alguns casos, é necessário avançar nessa análise, chegando aos clusters, que é quando eu tenho o chamado público de interesse e conheço a sua intencionalidade”, conta.

“As pessoas que dão preferência por mais carga informativa são aquelas que gostam de ambientes com mais dinamismo, recheados de experiências sensoriais e, automaticamente, mais possibilidades de interação com ele. Pessoas que trabalham com menor carga informacional são pessoas mais concisas, objetivas e diretas. Então, quanto mais funcional e prático for o espaço, melhor”, exemplifica.

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