Brasil vive crise silenciosa com lixões urbanos: entulhos contaminam água e solo em áreas residenciais

Chumbo, mercúrio, cádmio e arsênio estão entre os elementos tóxicos liberados pelo descarte irregular de resíduos da construção civil. Abrecon alerta para os riscos à saúde pública

Junho, 2025 – Água contaminada por chumbo. Solo envenenado por mercúrio. Crianças expostas a cádmio e arsênio. Essa é a realidade invisível provocada pelo avanço dos lixões urbanos no Brasil, alimentados principalmente pelo descarte irregular de resíduos da construção civil (RCD). Segundo a nova Pesquisa Setorial 2024 da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), o país gera mais de 106 milhões de toneladas de entulho por ano, mas recicla apenas cerca de 25% desse total e destina de forma adequada entre 30% e 40%. Isso significa que aproximadamente 60% do entulho ainda é descartado de forma clandestina, contaminando áreas de preservação, margens de rios e até bairros residenciais.

O problema, muitas vezes invisível, compromete a saúde pública e os ecossistemas. Entulhos misturados com restos de tinta, metais e componentes químicos liberam uma variedade de elementos tóxicos — chumbo, mercúrio, cádmio, arsênio, fósforo, cromo e bário — que infiltram no solo e atingem lençóis freáticos, contaminando rios, poços e fontes de abastecimento. “Estamos diante de uma crise silenciosa. Os efeitos dessa contaminação são cumulativos e podem causar câncer, doenças neurológicas, alterações hormonais e danos irreversíveis ao sistema renal. E o mais grave é que tudo isso acontece ao lado de áreas residenciais, muitas vezes sem que a população perceba”, afirma Rafael Teixeira, especialista em reciclagem e logística de resíduos da Abrecon.

O impacto vai muito além da degradação visual. O entulho descartado de forma irregular aumenta o risco de enchentes, contamina mananciais, favorece a proliferação de vetores de doenças e contribui para deslizamentos de terra, sobretudo em áreas urbanas vulneráveis. “Quando falamos em lixões, as pessoas pensam em lixo doméstico. Mas hoje, o maior volume de descarte irregular nas cidades é de entulho. E não é só uma questão estética ou de limpeza urbana — é uma questão de saúde pública e de responsabilidade ambiental”, reforça Teixeira.

O levantamento também mostra que o Brasil tem capacidade instalada para destinar corretamente até 81 milhões de m³ de RCD por ano, mas menos da metade dessa estrutura está sendo utilizada. Em paralelo, mesmo com a produção de 24 milhões de m³ de agregados reciclados, apenas 16 milhões de m³ são efetivamente comercializados. O restante se perde por falta de política pública, incentivo à compra e fiscalização adequada. Para a Abrecon, é urgente que os municípios implementem planos de gestão de resíduos da construção civil (PGRCD), incentivem o uso de agregados reciclados em obras públicas, adotem medidas rigorosas contra o descarte irregular — inclusive com responsabilização direta dos geradores — e fortaleçam os mecanismos de fiscalização e rastreabilidade do transporte de entulho. “Não se trata mais de opção. É uma urgência ambiental e social. O entulho descartado de forma criminosa hoje será a água contaminada que vamos beber amanhã”, finaliza Teixeira.

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